Sair da crise das dívidas

Foto Paulete Matos

A única medida que é preciso tomar unilateralmente é  financiar o défice de outra forma que não seja pela emissão nos mercados  financeiros. Junto com isso, a socialização dos bancos e a anulação da  dívida ilegítima. Artigo de Michel Husson.

Compreende-se melhor hoje o que seria necessário fazer para desbloquear a situação: monetizar os défices públicos. Isto quer dizer na prática que o Banco Central Europeu, ou os bancos centrais de cada país, devem poder comprar os títulos da dívida emitidos pelos Estados para financiar o défice orçamental. É, com efeito, o único meio que os Estados têm de evitar os mercados financeiros que lhe exigem taxas de juros extravagantes.

Conhece-se a objeção: não é possível, porque os tratados em vigor proíbem-no. Seria necessário antes “acalmar” os mercados, mostrando-lhes a vontade de aplicar uma austeridade forçada. Mas esta objeção leva ao impasse, como o mostra o exemplo grego. Desde há pelo menos dois anos, os sucessivos governos aplicam políticas de austeridade destruidoras e ineficazes. No início da crise, a dívida grega representava 120% do PIB. Hoje, ela subiu para 160%. Se verdadeiramente o objetivo era fazer baixar este rácio, percebe-se que isto não podia ser atingido por medidas que reduziram as receitas orçamentárias mais depressa do que cortaram as despesas.

O BCE recusa-se a financiar os Estados mas, em dezembro, forneceu aos bancos 489 mil milhões de euros sob a forma de empréstimos a três anos a uma taxa de juros de 1%, ou seja, uma taxa real negativa, tendo em conta a inflação.

Com esta liquidez, os bancos poderão mais facilmente financiar os défices públicos, mas a taxas bem mais elevadas, que vão de 3 a 6% na maior parte dos países. Este mecanismo funciona aliás desde o início da crise e ilustra o absurdo da situação. É claro que toda a dívida adquirida nestas condições é ilegítima, porque o BCE poderia emprestar diretamente aos Estados, como faz o Banco Central dos Estados Unidos ou da Grã-Bretanha. A discussão técnica sobre os meios de atingir este resultado ao mesmo tempo que se finge respeitar o Tratado é, no fundo, secundária, e a verdadeira questão é outra: quais os motivos uma tal obstinação em prosseguir uma política manifestamente catastrófica?

A resposta é complexa: há a submissão dos governos à finança e a recusa da menor rutura. Mas há também uma vontade política cada vez mais empenhada em aproveitar a crise para ministrar uma terapia de choque e realizar as “reformas” que surdas resistências sociais tinham impedido de levar até ao fim. Compreende-se mal, por exemplo, em quê uma maior flexibilidade do mercado de trabalho em Espanha, ou a baixa do salário mínimo que a “troika” acaba de exigir à Grécia, poderiam contribuir para reabsorver os défices orçamentais. A finança impõe a defesa dos seus interesses aos governos, quando não instala neles diretamente os seus responsáveis de negócios. As multinacionais fazem, quanto a elas, um cálculo perigoso: o que vão perder com a recessão na Europa, recuperá-lo-ão nos outros mercados graças a um aumento de competitividade.

Diante desta fuga em frente, a ideia de que a saída do euro poderia permitir a recuperação da soberania perdida é uma ilusão. Voltar à sua antiga moeda – o franco, o escudo ou o dracma – não permite de forma alguma dar a volta ao aperto dos mercados financeiros. Pelo contrário, a dívida contraída com não-residentes aumentaria na proporção da desvalorização, e a “nova” moeda seria exposta, sem proteção, à especulação. Mais uma vez, a única medida imediata que é preciso tomar unilateralmente, ao mesmo tempo que se propõe a sua expansão, é financiar o défice de outra forma que não seja pela emissão nos mercados financeiros. Esta medida não resolve tudo. Duas medidas mais radicais são necessárias, em primeiro lugar a socialização dos bancos, porque é o único meio de apurar de uma vez por todas a acumulação das dívidas que os cidadãos não têm qualquer razão de endossar. Uma auditoria cidadã deve em seguida identificar a dívida ilegítima e definir as modalidades da sua anulação, combinada com uma reforma que reverta os benefícios fiscais acumulados desde há muitos anos.

A perspetiva geral deve ser a de uma refundação da construção europeia. Ela supõe renunciar à “preferência pela finança” para dar à Europa os meios da sua coesão, através do alargamento do orçamento europeu, a harmonização (para cima) da fiscalidade sobre o capital e o investimento socialmente útil e ecologicamente sustentável.

27 de janeiro de 2012


* Michel Husson é economista e investigador no Instituto de Investigação Económica e Social (IRES).

Publicado no site do CADTM. Traduzido por Luis Leiria para o Esquerda.net.