Europa na hora da “austeridade”: Que delírio é este?

Michel Husson

Qual o porquê desta viragem brutal para a austeridade? Invoca-se muito a  pressão dos mercados financeiros. Mas esta pressão só existe na medida  em que os governos europeus nada fizeram para a matar no ovo.Artigo de Michel Husson.


A política de austeridade orçamental é insana. Em primeiro lugar, só pode reduzir o crescimento, sobretudo tal como foi apresentada. Afirmar o contrário é contrariar a teoria económica (“O bom momento para a austeridade é o boom, não a recessão”, dizia Keynes), mas também o balanço das experiências passadas.

Um estudo recente do FMI estabelece que uma “consolidação orçamental” de um ponto do PIB conduz a uma baixa do PIB em 0,5%, que pode chegar a 1% se a tal política se estender a um grande número de países (1).

Um relatório parlamentar (2) acaba de divulgar as contas para o caso de França. Segundo o governo, o défice passaria de 7,6% do PIB, em 2009, para 2,5%, em 2014. Mas esse resultado baseia-se em hipóteses optimistas: recuperação do crescimento (2%, em 2011, logo 2,5%) e muito débil progressão dos gastos (+0,8% em volume por ano contra 2,3% como média entre 2000 e 2008), com hipóteses mais realistas (crescimento de 1,5% e progressão dos gastos em 1,1%), o défice estaria ainda em 6,3% do PIB, em 2014, e a dívida pública continua a aumentar mais rapidamente que o PIB. Parar o crescimento é também parar as receitas orçamentais.

O pessimismo é ainda reforçado pela generalização da austeridade no conjunto da Europa. Que um país aplique no seu espaço uma política assim, é uma coisa. Mas é algo completamente diferente se todos os países europeus o fazem ao mesmo tempo. Apesar disso, este mecanismo multiplicador não é tido em conta, ou muito parcialmente, em nenhuma das previsões.

A Europa poderia ser salva pelo resto do mundo? Esta via está também fechada. Os Estados Unidos estão submersos num crescimento débil e Obama já não poderá fazer uma política de relançamento (no melhor dos casos). A política económica acaba de se desviar para a injecção de liquidez (quantitative easing) que facilita as coisas aos especuladores e pode alimentar a próxima bolha financeira. Em qualquer caso, tem por efeito imediato fazer baixar o dólar e portanto a competitividade das exportações europeias.

E os países emergentes? Efectivamente, ajudam a puxar pela procura mundial. Mas todos os países europeus não estão bem colocados e isto só pode acentuar a divergência das trajectórias na Europa. Mesmo no caso da Alemanha, as exportações para os países emergentes não poderiam compensar uma forte desaceleração do mercado europeu: os PECO e a China não representam em 2009 mais do que 16% das exportações alemãs e estas ainda dependem maioritariamente – 63% – do mercado europeu (3).

Qual o porquê desta viragem brutal para a austeridade? Invoca-se muito a pressão dos mercados financeiros. Mas esta pressão só existe na medida em que os governos europeus nada fizeram para a matar no ovo. As razões de fundo estão noutro lado e, em primeiro lugar na recusa de superar o cada um por si, coordenando as políticas nacionais. Mas a crise é sobretudo a ocasião e o pretexto para uma terapia de choque, tanto para fazer pagar a crise a quem não é responsável por ela, como para emagrecer de uma vez por todas o estado social. Basta constatar que os planos de austeridade obedecem todos a dois grandes princípios: reduzir as despesas, atacando os gastos sociais, em vez de aumentar os rendimentos. E quando se aumentam apesar de tudo, é através do IVA, o imposto socialmente mais injusto, que tem, além disso, a eventual vantagem de uma desvalorização camuflada.

Um rápido olhar sobre a Europa mostra que os governos de esquerda e de direita não se distinguem em nada no projecto que consiste em atacar os povos ao mesmo tempo que se lhes explica que não há alternativa. Uma tal regressão social, de uma violência inédita, encadeia um processo de desestruturação das sociedades, e conduz à deslocação da União Europeia. Pode desembocar claramente numa nova recessão, a menos que as resistências sociais forcem os governos a retroceder.

 


 

Michel Husson é economista e investigador no IRES (Instituto de Investigações Económicas e Sociais) em França.

NOTAS:

1/ “Will It Hurt?Macroeconomic Effects of Fiscal Consolidation”, World Economic Outlook, FMI, Outubro 2010.
2/ Assemblée Nationale, Rapport sur le projet de loi de finances pour 2011, annexe nº 21, “engagements financiers de l´Etat”, Outubro 2010.
3/ Ver “Le modèle allemand n´est pas viable”, nota hussonnet nº 19, setembro 2010.

Tradução: António José André