Diplomacia & Sigilo: Lenine e Trotsky sobre a Wikileaks (ou quase…)

Lenine e Trotsky explicam a necessidade da publicação dos segredos diplomáticos pelo governo saído da Revolução Russa.

No dia seguinte à Revolução, os Bolcheviques declararam a abolição dos tratados secretos e prometeram que todos os futuros tratados seriam negociados “abertamente e à vista de toda a gente”. A publicação dos tratados entre os governos russo, britânico, francês e outros revelou como eles tinham conspirado para dividir os despojos de guerra entre si.


A 8 de Novembro de 1917, o dia após a vitória da Revolução Russa liderada pelos Bolcheviques, a primeira decisão de política externa do governo revolucionário foi o “Decreto de Paz”, escrito por Lenine e aprovado nesse mesmo dia pelo segundo Congresso Pan-Russo dos Sovietes. Ele propunha o fim da carnificina da I Guerra Mundial na base de “uma paz justa e democrática”. Declarava também a abolição dos tratados secretos existentes e prometia que todos os tratados futuros seriam negociados “abertamente e à vista de toda a gente”.

A publicação dos tratados entre o governo russo e os governos da Grã-Bretanha, França e outros revelou como eles tinham conspirado para dividir os despojos de guerra entre si. A publicação dos tratados acordados em tempo de guerra (como revelou Trotsky, seriam na verdade “correspondência diplomática e troca de telegramas codificados entre governos”) começou em Izvestiya a 23 de Novembro de 1917 e também foram divulgados em panfletos entre Dezembro de 1917 de Fevereiro de 1918. A sua publicação no jornal britânico Manchester Guardian a 12 de Dezembro criou grande alarido tanto ali como nos Estados Unidos.

As acções do governo Bolchevique granjearam-lhe enorme simpatia entre os trabalhadores na Alemanha e por toda a Europa.

Aqui está o anúncio do Comissário do Povo para os Negócios Estrangeiros, Leon Trotsky, do fim da diplomacia secreta e alguns excertos do Decreto de Paz e as notas finais de Lenine na discussão do Congresso Pan-Russo dos Sovietes. Foram todas recolhidas a partir do Marxist Internet Archive.


Declaração de Trotsky sobre a publicação dos tratados secretos
22 Novembro 1917

Ao publicarmos os documentos diplomáticos secretos dos arquivos da política externa do Czarismo e do governo de coligação burguês dos primeiros sete meses da Revolução, estamos a cumprir o compromisso que fizemos quando o nosso partido estava na oposição. A diplomacia secreta é a ferramenta necessária para uma minoria de proprietários que é levada a enganar a maioria de forma a submetê-la aos seus interesses. O imperialismo, com os seus planos obscuros de conquista e as suas alianças e negócios criminosos, desenvolveu o sistema da diplomacia secreta ao mais alto nível. A luta contra o imperialismo que está a exaurir e a destruir os povos da Europa é ao mesmo tempo a luta contra a diplomacia capitalista, que tem razões para temer a luz do dia. O povo Russo e os povos da Europa e do mundo inteiro devem conhecer a verdade documentada sobre os planos forjados em segredo pelos financeiros e industriais em conjunto com os seus agentes parlamentares e diplomáticos. Os povos da Europa pagaram o direito à verdade com incontáveis sacrifícios e a desolação económica universal.

A abolição da diplomacia secreta é a primeira condição para uma política externa honesta, popular e verdadeiramente democrática. O governo Soviético assume o dever de levar em prática esta política. É por isso mesmo que enquanto propomos um armistício imediato a todos os povos beligerantes e aos seus governos, iremos publicar ao mesmo tempo esses tratados e acordos, que perderam toda a força vinculativa para os trabalhadores, soldados e camponeses russos que tomaram o poder pelas suas próprias mãos.

Os políticos e jornalistas burgueses da Alemanha e da Áustria-Hungria poderão tentar usar esses documentos para enaltecer a diplomacia dos Impérios Centrais. Mas qualquer tentativa será votada a um piedoso fracasso, isto por duas razões. Em primeiro lugar, pretendemos colocar rapidamente à vista do tribunal da opinião pública documentos secretos suficientemente claros acerca da diplomacia dos Impérios Centrais. Em segundo lugar, e mais importante, os métodos da diplomacia secreta são tão universais quanto o roubo imperialista. Quando o proletariado alemão entrar no caminho revolucionário que o levará aos segredos das suas chancelarias, encontrará documentos nada inferiores aos que vamos agora publicar. Só podemos esperar que isso aconteça depressa.

O Governo dos trabalhadores e camponeses abole a diplomacia secreta e as suas intrigas, códigos e mentiras. Não temos nada a esconder. O nosso programa expressa os desejos ardentes de milhões de trabalhadores, soldados e camponeses. Queremos que o domínio do capital seja derrubado onde for possível. Ao mostrar a todo o mundo o que fazem as classes dominantes, que está patente nos documentos diplomáticos secretos, dirigimo-nos aos trabalhadores com o apelo que traduz o fundamento imutável da nossa política externa: “Proletários de todos os países, uni-vos”.


Excerto do Decreto de Paz (por Lenine),
8 Novembro 1917

“O governo abole a diplomacia secreta e pela sua parte anuncia a firme intenção de conduzir todas as negoaciações de forma bastante aberta e à vista de toda a gente. Publicará de forma completa e imediata os tratados secretos aprovados ou concluídos pelo governo dos proprietários de terras e capitalistas de Fevereiro a 25 de Outubro de 1917. O govermo proclama a anulação imediata e incondicional de todo o conteúdo desses tratados secretos, uma vez que ele se destina sobretudo a assegurar as vantagens e privilégios para os capitalistas e proprietários de terras Russos e à retenção ou alargamento das anexações feitas pelos Grão-Russos”.


Excertos do discurso de Conclusão da discussão do Congresso Pan-Russo dos Sovietes.
8 Novembro 1917

“Há ainda outro aspecto, camaradas, a que devem prestar a máxima atenção. Os tratados secretos têm de ser publicados. As cláusulas que tratam das anexações e indemnizações devem ser anuladas. Há várias cláusulas, camaradas – como sabem, os governos predadores não fizeram apenas acordos económicos entre si para a pilhagem, mas também incluíram alguns acordos económicos e outras cláusulas sobre relações de boa vizinhança”.
“Nós não nos deixamos vincular a estes tratados. Não devemos permitir que sejamos enredados pelos tratados. Rejeitamos todas as cláusulas sobre pilhagem e violência, mas damos as boas-vindas às que contenham disposições sobre relações de boa vizinhança e cooperação económica. Estas não podemos rejeitar. Propomos um armistício de três meses. Escolhemos um período longo porque os povos estão exaustos e esperam há muito tempo por uma pausa para esta carnificina sangrenta que dura há três anos. Temos de perceber que deve ser dada uma oportunidade aos povos para que discutam os termos da paz e expressem a sua vontade com a participação do Parlamento, e isto levará tempo”.


* Fonte: Viewpoint Monitoring Team. Texto posto em circulação pelo jornal socialista australiano Links. Tradução de Luís Branco