China: Os investimentos escondidos dos “príncipes vermelhos”

 

Em abril de 2013, o Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ) aproveitou uma “fuga” monumental: 2,5 milhões de documentos sobre operações realizadas por duas sociedades de serviços financeiros baseadas no paraíso fiscal das Ilhas Virgens britânicas (Caribe). Como consequência, estalaram numerosos escândalos, em particular no Ocidente. Esses documentos referem-se também a cerca de 22.000 residentes da China continental e de Hong Kong. Foi preciso o trabalho de uma equipa de jornalistas para identificar estes últimos. Le Monde, associado à ICIJ, publicou sobre este tema um dossier de 12 páginas nos números de quinta (23 de janeiro de 2014) a sábado (25 de janeiro de 2014). Os resultados da investigação são, assinala, “para cortar o alento”, devido ao abanão de sectores económicos implicados e à amplitude das fortunas amealhadas que superam muito qualquer previsão.

 

Corrupção e branqueamento, é o paraíso… fiscal

No coração da investigação, os “príncipes vermelhos”, “ligados pelo sangue ou matrimónio” aos altos dirigentes do partido e do estado, que se aproveitaram do segredo bancário para criar sociedades offshore ou colocar os seus bens mal adquiridos: próximos do atual presidente Xi Jinping, do seu predecessor Hu Jintao, dos ex-primeiros ministros Wen Jiabao o Li Peng, mas também pelo menos quinze das maiores fortunas do país, membros da Assembleia Nacional, generais… Os paraísos fiscais permitem criar empresas que escapam ao controle das autoridades, operar com a maior opacidade e branquear os capitais, falsificar o preço das mercadorias exportadas ou importadas… Os chamados paraísos acolhem também o fruto da corrupção ou do desvio massivo de dinheiro. Tudo isto ficando (por agora) fora do alcance da justiça ou dos ajustes de contas políticas no seio do partido…

As somas implicadas são gigantescas. A investigação do ICIJ esclarece o papel das instituições financeiras ocidentais no funcionamento do sistema, com a UBS, o maior banco europeu de gestão de fortunas, ou o Crédit Suisse, nas primeiras praças. Favorecem os movimentos ocultos ou ilícitos de capitais. Em troca, os “príncipes vermelhos” abrem-lhes as portas do poder político. Definitivamente, a elite chinesa comporta-se como qualquer outra elite burguesa! Antes das reformas económicas iniciadas, a partir dos anos 1980, por Deng Xiaoping, e depois da restituição, em 1997, de Hong Kong (colónia britânica) à China continental, esta posição privilegiada de “filho de” ou “filha de” (como Li Xiaolin, filha de Li Peng) ao mundo dos negócios não teria sido possível. Os privilégios dum alto burocrata estavam ligados à sua função. A fortuna dum burguês é privatizável, transmissível à sua família. A diferença é enorme.

Todo o mundo reconhece que o capitalismo floresce na China, mas alguns continuam a acreditar (tanto na direita como na esquerda) que o estado continua a ser “comunista”(?) já que o partido manteria o controle da política económica. A investigação do ICIJ confirma sem dúvida até que ponto o poder e o capitalismo mantêm hoje relações incestuosas. Decididamente não há muralha da China entre um burocrata e um burguês. 


Tradução: António José André

 

Publicado em: http://www.vientosur.info/